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Dores de cabeça: Óleo de hortelã-pimenta é mais eficaz do que paracetamol?

19 Out 2023 - 11:18
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Dores de cabeça: Óleo de hortelã-pimenta é mais eficaz do que paracetamol?

É uma tendência no TikTok: aplicar óleo essencial nas têmporas, na nuca e na testa, para aliviar as dores de cabeça. Alguns criadores de conteúdo vão mais longe e, apoiando-se num estudo antigo alemão, afirmam que este óleo é tão eficaz no tratamento das dores de cabeça como um comprimido de 1 grama de paracetamol. Mas será verdade?

O óleo essencial de hortelã-pimenta é eficaz contra as dores de cabeça?

Em esclarecimentos ao Viral, Filipe Palavra, neurologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), adianta que “não existe evidência científica que corrobore a eficácia desta substância no tratamento das dores de cabeça”.

Em relação ao estudo citado pelos criadores de conteúdo, o neurologista expõe que “a conclusão é baseada numa análise randomizada que é feita a 41 doentes, submetidos à intervenção terapêutica”. 

Desde já, refere o médico, “41 pessoas é manifestamente insuficiente para se ter poder estatístico adequado e tirar qualquer tipo de conclusão”.

Para mais, é preciso ter em conta que, “num estudo que visa avaliar o efeito de uma determinada intervenção num aspeto tão subjetivo como a dor, o efeito placebo existe e tem uma magnitude muito importante”, acrescenta Filipe Palavra.

Assim, apesar de o estudo fazer “uma observação interessante” e haver “doentes que melhoram com a aplicação desta substância”, “o resultado até poderia ser o mesmo” se, em vez do óleo, se estudasse, por exemplo, “a ingestão de um chá de camomila”.

Isto deve-se, em grande parte, ao peso do efeito placebo que “é crucial até para os medicamentos analgésicos mais poderosos que conhecemos (como os opióides) estabelecerem o seu próprio efeito terapêutico”.

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“Se dissermos que estamos a administrar um medicamento que é muito fraco e, apesar disso, estivermos a administrar morfina, o doente tem um nível de dor X. Mas se dissermos que administramos o mesmo medicamento, mas que é o fármaco mais extraordinário de sempre, o efeito terapêutico é muito superior. E estamos a falar do mais potente dos analgésicos”, exemplifica.

Além disso, frisa, “a dor é uma experiência subjetiva e a valorização da dor depende de muitos fatores, incluindo das memórias autobiográficas e da experiência de dor que se tem ao longo da vida”. 

Dito de forma clara e direta: “Aquilo que para uma pessoa é um 2 na escala visual analógica, para outra pessoa pode ser um 10”, simplifica o neurologista.

Por essas razões, “o estudo em causa não é, nem de longe, nem de perto, nenhum ensaio clínico, randomizado e adequado para se poder retirar dele qualquer conclusão técnica e cientificamente válida, e absoluta, ao ponto de se dizer que o óleo de hortelã-pimenta é melhor do que a intervenção X, Y ou Z”, defende Filipe Palavra.

Sendo a dor “uma experiência muito subjetiva, a noção de melhoria também tem de refletir essa mesma subjetividade, pelo que é preciso ser-se muito parcimonioso e rigoroso na maneira como se avalia a dimensão destas melhorias”. 

Caso contrário, corre-se o risco “de estar a validar uma coisa que técnica e cientificamente não faz sentido nenhum”, conclui.

“O rigor exigido neste tipo de produtos não é o mesmo que em medicamentos” 

À falta de evidência que comprove a eficácia deste óleo junta-se a questão da segurança. Como explica Filipe Palavra, não se pode dizer se a composição deste produto é benéfica, porque não se sabe, com certeza, “quais são os componentes deste óleo”. 

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Por um lado, “num medicamento, sabemos, por exemplo, que temos lá 1000 miligramas de paracetamol e um conjunto de excipientes que vêm listados no RCM” (resumo das caraterísticas do medicamento).

Em contrapartida, “neste tipo de suplementos e de óleos essenciais – os ditos produtos naturais – não se tem nenhum Infarmed que vá verificar se, de facto, está lá aquilo que o rótulo diz”, salienta o neurologista.  

Isto é, “o rigor exigido neste tipo de produtos não é o mesmo que em medicamentos com autorização para introdução no mercado”. 

Não desvalorizando o potencial terapêutico das plantas, na visão de Filipe Palavra, “deu-se um salto qualitativo extraordinário da planta para o medicamento, mas voltar do medicamento à planta parece um retrocesso civilizacional”.

Como lidar com as dores de cabeça?

De acordo com a informação disponibilizada pela Sociedade Portuguesa de Cefaleias (SPC) no seu site, “a Classificação Internacional de Cefaleias inclui 14 grandes tipos”. Sendo que “estes tipos principais dividem-se e subdividem-se em mais de 200 formas diferentes” de dores de cabeça

De uma forma simples, esclarece Filipe Palavra, “numa dor de cabeça, sem sinais de alarme, ao que se chama de cefaleia de tipo tensão episódica (uma dor de cabeça mais comum), utiliza-se, com frequência, analgésicos simples”, incluindo o paracetamol.

Se, depois, é necessário outro fármaco, essa “é uma decisão clínica”. O mais importante, frisa, “é haver um diagnóstico estabelecido e saber o que se está a tratar”.

Na perspetiva do vice-presidente da SPN, o facto de ser comum ter-se dores de cabeça “não deve limitar a pessoa a procurar ajuda médica e a esclarecer qual é o diagnóstico subjacente às suas dores de cabeça”. 

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Em primeiro lugar, a pessoa deve recorrer ao “seu médico de família” e, se este “não conseguir resolver o problema” – o que só acontece “numa minoria das situações” -, deve-se marcar “uma consulta de especialidade”, conclui.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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Categorias:

Neurologia

Etiquetas:

Produtos naturais

19 Out 2023 - 11:18

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